terça-feira, 6 de julho de 2010

Entrevista - A divisão só interessa aos inimigos

*Sávio Bones ( Brasil de Fato – edição 383 - de 1º a 7 de julho de 2010)


Para o jornalista Sávio Bones, atual quadro de candidaturas só reforça a necessidade de uma frente que aglutine a esquerda, partidária ou não.

Nilton Viana, da Redação

Já passou da hora de ter responsabilidade e coragem para construir uma frente de unidade popular no Brasil. Essa é a convicção do jornalista Sávio Bones. Para ele, o quadro de várias candidaturas só reforça a necessidade de uma frente que aglutine a esquerda, partidária ou não.

Em entrevista, Bones diz que os partidos de massas – que não podem ser confundidos com partidos com base de massas – não encarnam mais uma alternativa das mudanças estruturais na sociedade. Para ele, o recente ciclo da esquerda brasileira encerrou-se. O jornalista acredita que “o próximo período exige passos concretos para equacionar alguns dos pontos que nos têm aprisionado”. Um deles, segundo ele, é enfrentar e resolver, teórica e praticamente, o problema político e a necessidade estratégica da unidade popular no Brasil. “Está claro que o caminho da esquerda brasileira é negar a divisão, perseguir uma aliança popular ampla e aceitar o desafio de arquitetar o novo. É construir uma frente plural, um instrumento de mobilização, unificação e organização da população”.

Brasil de Fato – Em 2008, o capitalismo, com a crise financeira iniciada nos EUA, abalou todo o mundo e deu sinais de que o sistema entraria em colapso total. Atualmente, a Grécia é a bola da vez, gerando impactos em toda a Europa. Que avaliação você faz da crise?

Sávio Bones – O capitalismo vive uma crise estrutural que se já se arrasta desde a década de 1970. O neoliberalismo foi uma tentativa de superá-la e inaugurar um novo período de prosperidade. As dificuldades dos tempos atuais mostram que esse período foi de curta estabilidade e vem chegando ao fim. Tanto em 2008, como recentemente, o que verificamos foram manifestações conjunturais da crise, ou seja, são agudizações, picos de um fenômeno muito maior e de longa duração. A primeira teve como epicentro os EUA e a segunda é a crise na União Europeia e não de um ou outro país.

Creio que é preciso evitar duas posições: uma, bem ao gosto conservador, trata as manifestações da crise como fenômenos desconexos, que devem ser equacionados em cada momento; outra, apocalíptica, enxerga em cada espasmo o anúncio do colapso total do capitalismo, que ruiria por si só.

Como vimos recentemente, o imperialismo, os grandes conglomerados monopolistas-financeiros, os Estados e outros centros estruturadores do capital construíram mecanismos e medidas de controle e redução de danos, que diminuem no curto prazo os efeitos, embora sejam inúteis como respostas duradouras.

Creio que não há o que comemorar nas manifestações da crise, afinal, quem mais padece são as classes trabalhadoras. A nós cabe buscar caminhos de combate à crise que abram possibilidades para as grandes e decisivas transformações sociais, indispensáveis para o atendimento das necessidades e anseios dos grandes contingentes populares.

Brasil de Fato – O capitalismo utiliza cada vez mais a repressão, a violência e a barbárie. Esses mecanismos são essenciais para a sustentação do atual modelo?

Sávio Bones – São, como sempre foram. A repressão às lutas populares, sob o Estado burguês e sua democracia, sempre existiu aberta ou velada, institucionalmente ou não. A história da América é repleta de exemplos de alternância de momentos de maior liberdade e outros de terrorismo de Estado. No Brasil de hoje presenciamos uma alteração nos padrões repressivos, que passam a contar com amparo legal e legitimidade no interior da sociedade, fruto de uma correlação de forças ainda desfavorável.

Brasil de Fato – Marx continua atual como referencial analítico para o atual estágio do capitalismo?

Sávio Bones – Marx formulou uma síntese filosófica de validade permanente e uma doutrina social insuperável enquanto durar a sociedade capitalista. São dele também os elementos basilares do processo de superação da ordem do capital e de construção de um novo mundo, possível e necessário, baseado na “livre associação de homens livres”. O pensamento de Marx, hoje e mais do que nunca, é a base intelectual para quem busca superar a pré-história da Humanidade.

Brasil de Fato – O atual estágio de desenvolvimento capitalista tem colocado novas formas de produção, um novo mundo do trabalho, alteração das relações sociais etc. A esquerda, na sua avaliação, tem se colocado à altura desse “novo mundo”?

Sávio Bones – Há um endeusamento das mudanças promovidas pelas novas tecnologias e formas de organização do trabalho. É bom destacar que nenhuma delas foi capaz de mudar as condições estruturais do capitalismo e superar o ponto sobre o qual se ergue a sociedade capitalista: a exploração do trabalho pela extração de mais-valia, baseada na produção socializada nos marcos da apropriação privada dos meios de produção.

As várias transformações não eliminaram a centralidade do trabalho ou o proletariado como quer a cultura chamada de pós-moderna. O que houve foi, por exemplo, uma alteração no perfil do proletariado e do conjunto das classes trabalhadoras. Assistimos hoje a uma proletarização crescente de vários segmentos – como, por exemplo, dos camponeses e dos trabalhadores em serviços. Presenciamos uma necessidade de qualificação profissional cada vez maior, um estoque brutal de trabalho sobrante, uma precarização das relações trabalhistas. Nesse “museu de grandes novidades” é preciso reafirmar a centralidade do trabalho e retomar a crítica ao capitalismo a partir da realidade concreta das pessoas, reencontrar a imaginação perdida na formulação de táticas e mediações, adotar atitudes próprias para o momento e, sobretudo, enterrar a fragmentação e a divisão. Tudo isso com um objetivo: voltar a encantar multidões e promover a autoconfiança e a unidade das camadas populares para que elas possam descortinar por elas mesmas um caminho novo.

Brasil de Fato – Os instrumentos políticos da esquerda, principalmente os partidos políticos, ao seu ver, têm sido capazes de fazer frente à atual realidade brasileira?

Sávio Bones – Apesar de fragmentadas, até agora, as organizações do campo popular, incluindo aquelas de caráter partidário, movimentos, centrais, fóruns, assembleias, resistiram e têm sobrevivido aos tempos de defensiva.

Já o potencial transformador dos partidos que surgiram ou se reconstruíram no ocaso da ditadura militar esgotou-se. Os partidos de massas – que não podem ser confundidos com partidos com base de massas – não encarnam mais uma alternativa das mudanças estruturais na sociedade. Os partidos que mantêm o horizonte revolucionário não têm conseguido aglutinar forças capazes de reordenar as várias vertentes da esquerda e impulsionar uma aliança política ampla e uma nova alternativa de massas.

Creio que o recente ciclo da esquerda brasileira encerrou-se. O próximo período exige passos concretos para equacionar alguns dos pontos que nos têm aprisionado. Um deles é enfrentar e resolver, teórica e praticamente, o problema político e a necessidade estratégica da unidade popular no Brasil. Já passou da hora de ter responsabilidade e coragem para construir uma frente de unidade popular no Brasil.

Brasil de Fato – Esse ano teremos eleições no Brasil. Como você vê o cenário eleitoral brasileiro?

Sávio Bones – Basicamente, são três campos em disputa: a oposição de direita, arraigada à ortodoxia neoliberal, apresentou a candidatura de José Serra e tem no PSDB-DEM seu eixo articulador. O situacionismo social-liberal tem Dilma Rousseff como candidata, está reforçado pelo PMDB e conquistou apoio de setores populares organizados, inclusive de esquerda. Esses dois lados adversários estão polarizando a disputa. Entre os dois está a candidata do PV, Marina Silva, que não constitui um campo próprio. O oposicionismo de esquerda é o terceiro campo e tem reduzida inserção social e pouca densidade eleitoral. A construção das candidaturas deixou clara a divisão no seu interior. Plinio Arruda Sampaio aparece como o candidato que reúne as melhores possibilidades para combater a oposição de direita, apresentar propostas avançadas de interesse dos trabalhadores e defender posições que acumulem para a unificação das forças populares. Não por acaso, já recebeu o apoio da Refundação Comunista e da Corrente Comunista Luiz Carlos Prestes. O quadro de candidaturas só reforça a necessidade de uma frente que aglutine a esquerda, partidária ou não. Esta divisão só interessa aos nossos inimigos e aos nossos adversários.

Brasil de Fato – Em entrevista ao Brasil de Fato, o jornalista José Arbex Jr. Defendeu a criação de um novo partido, instrumento político, impulsionado pelo movimentos sociais. Como você vê essa proposta?

Sávio Bones – Arbex manifestou uma interrogação de vários segmentos da esquerda: como superar a dispersão e abrir um novo caminho no Brasil? Para mim, está claro que o caminho da esquerda brasileira é negar a divisão, perseguir uma aliança popular ampla e aceitar o desafio de arquitetar o novo. É construir uma frente plural, um instrumento de mobilização, unificação e organização da população. Um espaço de unidade das lutas populares e uma alternativa também para as disputas eleitorais. Um movimento que arranque conquistas, que alargue a influência das ideias progressistas e avançadas, que se imponha na disputa contra-hegemônica e que deixe explícita a ideia de ruptura com a situação vigente. Uma aliança ampla entre partidos, correntes, agrupamentos, movimentos, fóruns, assembleias, setores religiosos, dirigentes políticos, intelectuais e personalidades identificados com os anseios nacionais, democráticos e populares. Uma frente que se abra à adesão e à filiação massiva de militantes e ativistas, bem como de todas as pessoas que se identificarem com seu programa e sua plataforma de reivindicações.


Brasil de Fato –  Como você avalia que deva ser um instrumento político que seja capaz de fazer frente ao atual estágio do capitalismo no Brasil?

Sávio Bones – Uma unidade popular orgânica baseada num programa de luta social por reformas profundas, de caráter anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiário. Um programa que aprofunde a soberania e equacione as questões nacionais pendentes. Que combata os oligopólios financeiros. Que avalize o alargamento das liberdades e dos direitos democráticos. Que garanta o desenvolvimento econômico e a elevação do nível de vida do povo e o bem estar das grandes maiorias. Que realize a reforma agrária, a democratização da cultura e a correta relação com o meio ambiente. Que lute pela eliminação de todas as formas de discriminação. Enfim, que promova o progresso social do país e aponte para o socialismo. Uma frente de esquerda pelo conteúdo programático, pela composição social, pela abordagem das diversas formas de luta e pelas formas de organização e não pela simples autoafirmação.

O centro das ações da frente popular é o combate radical às políticas neoliberais e atitudes governamentais antipovo, em defesa dos interesses econômicos e sociais, imediatos e permanentes, dos assalariados, dos desempregados, dos camponeses, dos segmentos médios e pequeno-burgueses em contradição com o grande capital, das mulheres, da juventude, dos setores discriminados, da intelectualidade libertária e dos demais segmentos explorados e oprimidos.

Do ponto de vista da organização, os partidos, movimentos e setores que participarem da aliança poderiam manter seus instrumentos e estruturas funcionando normalmente, assumindo apenas o compromisso de construir a frente como um fórum de unidade popular e de divulgar suas ideias e propostas. Penso num funcionamento baseado no consenso nas questões importantes e na rejeição da disputa interna permanente como método de decisão.

A unidade popular não tem receita, mas exigirá, sobretudo, determinação. É no próprio movimento de construção da frente que serão superadas as dificuldades previsíveis. A experiência, a formação e a inventividade de quadros e militantes serão adquiridas e lapidadas enquanto a frente se constrói.

Fico imaginando o espectro político do jornal Brasil de Fato envolvido numa empreitada dessa. Na força que tem a militância partidária, da Consulta, da Assembleia Popular, da Via Campesina e de outras organizações juntas. Nos milhares de dirigentes, militantes e ativistas hoje incomodados, insatisfeitos e desmobilizados. No contingente da população ainda presa ao passado, mas aberta para o futuro. Imagine esta gente promovendo debates, encontros e reuniões. Discutindo pontos programáticos e ações comuns. Dirigentes, militantes e personalidades reconhecidos percorrendo o Brasil, mobilizando as pessoas e reacendendo a esperança perdida. Construindo uma opção orgânica que significa o novo encarnado na unidade popular. Mexeríamos ou não com a pasmaceira e a mesmice que assola o país? Enfrentaríamos nossos inimigos de forma mais radical e, fundamentalmente, iríamos voltar a ser perigosos.

Brasil de Fato – Você acha que o Programa Democrático Popular construído pelo PT em 1986 ainda está atual?

Sávio Bones – Um programa democrático e popular não é patrimônio de qualquer partido ou movimento. É fruto das necessidades históricas, das lutas e dos acúmulos teóricos e políticos de nossa gente. Enquanto o povo não conquistar autonomia em relação ao imperialismo e aos monopólios, não realizar as reformas democráticas – como, por exemplo, a reforma agrária – e não criar condições para melhorias substanciais na vida das grandes maiorias, as transformações democráticas e populares estarão na ordem do dia.


Quem é : Sávio Bones é jornalista, assessor sindical e diretor do Instituto 25 de Março.

Brasil de Fato - Uma visão Popular do Brasil e do Mundo
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia

Editora Expressão Popular
Livros bons, de boa qualidade e a preço de custo
http://www.expressaopopular.com.br/loja/

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial