sábado, 19 de setembro de 2009

O ESCUDO ANTIMÍSSEIS E A FLEXÃO DE OBAMA



As Teses sobre Conjuntura e Tática (Capítulo II, Os dilemas da Casa Branca, 77 a 81) assinalam que o isolamento estadunidense, iniciado com as fricções dos anos 90, pesou consideravelmente na reformulação da política externa de Barack Obama, especialmente nas condições de crise do capital, fim da unipolariadade e tendência ao agravamento das contradições fundamentais do mundo contemporâneo. As velhas diretrizes, inspiradas nas idéias de confronto permanente e de ditado unilateral, entre outros efeitos, colocaram em risco a prorrogação ou a reforma do Tratado de Redução de Armas Estratégicas, assinado com a URSS em 1991, que expirará em dezembro.

Diante disso a Casa Branca decidiu retomar a negociação que Bush havia abandonado. Assim, as relações com a Rússia de capitalismo restaurado favoreceram a busca do diálogo e do entendimento. Nesse quadro, os limites, a determinação e a paciência de Moscou foram testados, como em toda negociação regida pelo pragmatismo costumeiro na política burguesa. Não ficou claro se Joe Binden, agindo como porta-voz da Casa Branca nos primeiros dias após a posse do novo mandatário, firmava o pulso ou blefava para extrair recuos ou concessões, ao declarar, com a arrogância costumeira, que manteria o plano de instalar o escudo na Polônia e na República Tcheca, justificando-se, como seu antecessor, com a suposta necessidade de proteger a Europa do Irã.

O certo é que não conseguiu intimidar os contendores. Em julho, depois de muitos salamaleques diplomáticos, o presidente russo ameaçou posicionar foguetes num enclave próximo à Polônia e declarou, em entrevista concedida durante a cúpula do G-8: “Não haverá nenhum progresso sobre outros assuntos até que se resolva a irritante questão do escudo antimísseis americano.”

Dois meses depois, em 17 de setembro, Barack Obama caiu na realidade, recuou e anunciou o abandono do projeto de construir o sistema antimísseis em territórios vizinhos à fronteira russa. A reação dos países que receberiam as bases, esses cristãos novos da geopolítica estadunidense, adotando a psicologia dos preteridos e desamparados, foi de decepção e reclamação, mas Dmitri Medvedev elogiou a atitude e se colocou, imediatamente, à disposição para retomar o diálogo interrompido.

A flexão de Washington não representa o abandono de seus objetivos estratégicos mais gerais: apenas procura realizá-lo nas condições da nova situação internacional, em que falcões são obrigados a usar penas de pombas. De fato, o presidente estadunidense explicitou seu propósito:

“Implantar um sistema de defesa antimísseis que responda melhor às ameaças que enfrentamos e que utilize tecnologias aperfeiçoadas”.

Ou seja: ajustar a estratégia por meio de um novo plano, mais atualizado tecnicamente, mais abrangente no plano territorial e mais eficaz militarmente, com a vantagem adicional de aplacar os contenciosos indesejáveis e fortalecer as alianças européias. Trata-se de adotar o posicionamento mais flexível e versátil de intensificar a presença em bases marítimas, a partir de navios permanentes no Mediterrâneo e no Mar do Norte, capazes de preservar o alcance previsto na orientação anterior, armados com os mesmos artefatos e secundados por embarcações de reserva sempre a postos.

Ao mesmo tempo, será mantida a intenção de instalar mísseis em bases terrestres, desta feita os SM-3, na sua mais recente versão – conhecida como Block IB –, capaz de interceptar lançamentos de curto e médio alcance. Mantém, assim, o compromisso com as demandas e expectativas de Varsóvia e de Praga, talvez até mesmo expandindo o sistema para a Turquia, bem como estreitando e ampliando a colaboração com a OTAN, antes inibida pelo entendimento bilateral com alguns países cooptados após a diáspora da URSS. De resto, o novo plano prevê a implantação do pretendido escudo com seis ou sete anos de antecedência, como pede a incerteza que ronda a ordem mundial.

Sem dúvida, a flexão da Casa Branca representa certo fracasso da geopolítica imperialista. Todavia, os desdobramentos mais negativos foram neutralizados, uma vez que se procura regenerar a antiga essência, compatibilizando-a com o objetivo de reforçar as alianças, ampliar a sustentação diplomática e concentrar o fogo contra os focos de resistência mais tenazes aos interesses monopolistas-financeiros e aos desígnios da dominação imperialista sobre os povos, sem abrir mão da superioridade militar estratégica contra as grandes potências que possam desafiar o primado estadunidense. Para tanto, todos os meios e métodos da direita são tidos como válidos, como ilustra a recente transformação da Colômbia, no que diz respeito ao seu papel geopolítico e militar, no Israel, na Polônia e na República Tcheca da América Latina.

Belo Horizonte, MG, 18 de setembro de 2009
Ronald Rocha


Publicado na Tribuna de Debates do II Congresso da RC

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